Domingo da Sexagésima
- Fraternidade São Nicolau
- 20 de fev. de 2022
- 5 min de leitura
Reflexão ao Evangelho do Domingo da Sexagésima
"Vossa palavra é um facho que ilumina meus passos, uma luz em meu caminho".
(Sl. 118,105).
📖 EVANGELHO de Jesus Cristo, segundo São Lucas 8, 4-15

Naquele tempo, tendo-se juntado uma grande multidão de povo, e, tendo ido ter com ele de diversas cidades, disse Jesus esta parábola: Saiu o semeador a semear a sua semente; e, ao semeá-la, uma parte caiu ao longo do caminho, e foi calcada, e as aves do céu comeram-na. Outra parte caiu sobre pedregulho, e, quando nasceu, secou; porque não tinha humidade. A outra parte caiu entre os espinhos, e logo os espinhos, que nasceram com ela, a sufocaram. Outra parte caiu em boa terra; e, depois de nascer, deu fruto, cento por um. Dito isto, exclamou: Quem tem ouvidos para ouvir, ouça. Os seus discípulos, perguntaram-lhe o que significava esta parábola. Ele respondeu-lhes: A vós é concedido conhecer o mistério do reino de Deus, mas aos outros ele é anunciado por parábolas; para que vendo não vejam, e ouvindo não entendam. Eis o sentido da parábola: A semente é a palavra de Deus. Os que estão ao longo do caminho, são aqueles que a ouvem; mas depois vem o demônio, e tira a palavra do seu coração para que não se salvem crendo. Aqueles em que se semeia sobre pedregulho, são os que recebem com gosto a palavra, quando a ouviram; mas não têm raízes; até certo tempo creem, mas, no tempo da tentação, voltam atrás. A que caiu entre espinhos, representa aqueles que ouviram a palavra, porém, indo por diante, ficam sufocados pelos cuidados, e pelas riquezas, e deleites desta vida, e não dão fruto. Porém, a que caiu em boa terra, representa aqueles que, ouvindo a palavra com coração bom e perfeito, a retêm, e dão fruto pela paciência.
Te louvamos, Senhor!
HOMILIA proferida pelo Rv.mo Padre Nilson Serafim
de nossa Missão em São Paulo
1. Domingo passado fomos apresentados ao dono da vinha. No judaísmo do tempo de Jesus e para a Igreja Primitiva, a vinha simboliza o espiritual, enquanto a figueira simboliza o natural. Para os primeiros escritores cristãos, o “fruto da videira” representa o homem espiritual. Ao propor o tema do primeiro domingo de preparação para a Quaresma , a Santa Tradição nos indica a temática do período bem como faz alusão ao vinho da Nova Aliança, culminação do Mistério Pascal.
4. Neste domingo, o Lecionário nos propõe a “parábola das parábolas”: a parábola do semeador. Num aprofundamento do mistério cristão que culmina na Páscoa da Ressurreição, a Tradição nos apresenta hoje a parábola que é a chave de compreensão de todas as parábolas, cujo significado mais profundo é cósmico e ontológico. O sentido exotérico (a primeira camada de interpretação, o significado “externo”) é dado pelo próprio Jesus. Mas há aqui um detalhe que escapa a quase todos: a cena da explicação da parábola faz parte da própria parábola! O Mestre transmite aqui uma grande chave hermenêutica que escapa à quase totalidade dos analistas desta passagem. Se não nos transportarmos, como insisto semanalmente, à periferia de Israel ocupada pelo Império Romano para compreendermos os significados dos símbolos apresentados por Jesus, vamos perder a parte mais rica dos ensinamentos do Mestre.
3. Já falamos do significado da vinha e da figueira. O que podemos dizer sobre o significado da semente? Grandes tradições da Antiguidade (os Hebreus e os Celtas, são as que me ocorrem primeiro, mas há inúmeras) atribuíam enorme significado ao símbolo da semente: ela é uma árvore em potência, seu ínfimo espaço contém o que será uma árvore frondosa.
4. Sabemos que o pensamento helênico chegou ao ambiente bíblico e o influenciou por diversas vias, isso é evidente no Novo Testamento: a Nazaré que Jesus percorreu era vizinha da Síria helenizada , seu comportamento se assemelhava mais ao de um filósofo grego itinerante do que ao de um rabino judeu, os primeiros escritos cristãos foram redigidos em língua grega. Nos Evangelhos, sempre que aparece uma semente, ela simboliza a Ideia (sim, com maiúscula! Aquela do Platão). Mexeu com a sua compreensão da estória da fé e do grão de mostarda? É inevitável. Mas prossigamos com o semeador.
5. Assim, a parábola do semeador em seu significado profundo, é a explicação de Jesus da manifestação de uma Ideia. O próprio Logos nos explicando como age a Palavra Criadora. Isso pode ser compreendido em vários níveis: o semeador pode ser Deus, trazendo o mundo à existência, e as sementes os nomes das coisas criadas, este é o imaginário do Prólogo de João interpretando o primeiro capítulo do Gênesis. Mas também podemos compreender de modo ontológico como as ideias manifestando-se em nossa consciência.
6. A semente que cai pelo caminho é a ideia que cai no esquecimento e não chega a manifestar-se. O caminho é terra dura, calcada pelo constante caminhar, onde as raízes não podem se desenvolver. No nível existencial podemos pensar nos hábitos, nos significados, arraigados em que é extremamente difícil “plantar uma semente”.
7. A semente levada pelos pássaros são as ideias que não se manifestam por motivos alheios à nossa vontade. No nível existencial podemos mencionar as utopias (algumas ideias devem permanecer como ideias). No plano prático, podemos mencionar inúmeras ideias universais, que povoam a cabeça de grande parte da humanidade, para as quais ainda nos falta capacidade, desde o teletransporte até a cura do câncer.
8. A semente que cai em solo pedregoso é a ideia que tem manifestação efêmera. Passando pela promessa de parar de fumar no ano novo até o último penteado da moda, todos conhecemos o significado da expressão “fogo de palha”.
9. A semente que cresce entre espinhos é a ideia que disputa com as distrações vindas do exterior (objetos dos sentidos) e do interior (paixões). A vigilância, foco ou atenção (nepsis/νῆψις), era uma disciplina importante na Igreja Primitiva. Em nossa vida cotidiana quantas são as distrações, multiplicadas pela tecnologia, que tomam nosso tempo e nos desviam de nossos objetivos?
10. Esta é uma breve possibilidade interpretativa a partir da chave semente-Ideia. Insisto que os irmãos e irmãs pensem essa parábola em diferentes níveis. Sugiro também a comparação detalhada com o relato da criação no Genesis e com o Prólogo de João.
Ad maiorem Matris Gloriam
Pe. Nilson Serafim+
Nota: Tradicionalmente, são três os domingos de preparação para a quaresma: o da Septuagésima, o da Sexagésima e o da Quinquagésima. A partir do Domingo da Septuagésima já não se canta mais o Aleluia e têm início o jejum e abstinência quaresmal.
🙏 ORAÇÃO
(Cf. Oração da Coleta da Divina Liturgia Galicana)
Senhor Deus, Tu sabes que nossa segurança não é baseada em nossas ações humanas; concede-nos, em nossas dificuldades, a proteção de São Paulo, o doutor dos gentios. Ó Tu que vives e reinas pelos séculos dos séculos. Amém.
Comentarios